quarta-feira, 31 de julho de 2013

Texto - O Transeunte

O Transeunte

Transitando pela cidade cinza
Sem destino, nem esperança
Somente andando e observando
Entre prédios e construções.

Ao meu redor pessoas tristes e apressadas
Olhares de angústia e desilusão
Uma multidão marchando ao acaso
Semáforos em alerta, carros parados
Travessas e vielas sem direção
O caos diário encobrindo a luz do sol
Viajantes robotizados em busca do nada.

Mas eu, eu sou somente um transeunte 
Alguém que vai passar
Sem muita importância, somente a transitar
Transitar, transitar...





quinta-feira, 25 de julho de 2013

Conto - Pequena San e a Girafa

Pequena San e a Girafa


No 15º andar do prédio azul da Paulista mora a pequena San, uma menina cadeirante de 9 anos que tem uma imaginação fantástica. Ela mora com seus pais e uma girafa. Isso mesmo, uma girafa verde e gigante que só aparece à noite. Durante o dia a girafona fica colada na cadeira de rodas em forma de adesivo.

A noite passada foi tão radical, foi a melhor noite. San acordou no meio da madrugada, olhou para sua cadeira e viu o adesivo brilhando e começando a crescer. Ela ficou encantada, pois um som calmo e doce de piano invadia o seu quarto, era uma bela canção. Sem dúvida, um momento mágico.

A janela se abriu e a cadeira de rodas começou a flutuar pelo quarto com o adesivo irradiando cores maravilhosas. De repente, uma pata verde sai do adesivo, depois a outra pata, o corpo e por fim o enorme pescoço de Dalila, a girafona verde. Ela não cabia dentro do quarto, por isso seu pescoço verde de 15 metros ficou para fora da janela, alegrando a vista dos carros que passavam na Paulista.

Na rua todos olhavam aquele pescoção verde de girafa apontado para a lua cheia. Era muito encantador, chegou a formar um trânsito em plena madrugada, pois muitos saíram dos carros para admirar a cena. Dalila, numa fração de segundos, salta da janela do apartamento, fica de frente para a avenida e começa a crescer ainda mais, até atingir os 40 metros.

A girafa mágica estica a língua para dentro do apartamento, agarra a menina e a coloca no pescoço. San dá risada e escorrega pescoço abaixo, todos aplaudem. Começa a viagem de San e Dalila.


Acredite, uma girafa verde de 40 metros com uma menininha nas costas cruza a Paulista, provando que o impossível não existe.


terça-feira, 23 de julho de 2013

Wallpaper do Conto - Surpresa de Aniversário



Feito por Carol do Blog Paradoxo Suicida: 




Conto - Surpresa de Aniversário

Surpresa de Aniversário


“Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida...” Assim como todas as noites, ao longo de cinco anos e meio, Marisa canta Parabéns com os olhos cheios de lágrimas no canto de sua cela.

Sou uma mulher de alma boa, embora muitas pessoas aqui no xadrez e aí fora digam o contrário. Eu sei que no fundo não sou má, mas compreendo toda a raiva e repúdio que sentem por mim. Afinal, cometi um ato horrendo e muito grave. Mas juro que tudo que fiz foi por amor, um amor incondicional e infinito ao meu marido. Era seu aniversário naquele dia frio e chuvoso. Nunca vou me esquecer daquele olhar impressionado do Nilton, realmente ele não acreditou no que estava vendo em sua frente.

Muitas companheiras de cela e até policiais já tentaram me matar aqui, nesse inferno de concreto e grades. Nos primeiros anos, eu trabalhava lá no pavilhão quatro junto com as detentas consideradas de alta periculosidade. Mas depois de algumas brigas, a diretora decidiu me isolar nessa cela pequena, escura e fedida de onde escrevo este triste relato. Meu único passatempo é escrever este tipo de carta, na esperança de entregar para alguém que venha me visitar um dia. Algo que acho muito difícil de acontecer, pois sou mais odiada que o próprio Demônio.

Tudo que fiz foi por amor, por paixão e por admiração. Gosto de deixar isso bem claro. Era o meu presente, o melhor que podia dar naquela data tão especial. Estava dando para o Nilton a liberdade e uma nova vida de casal apaixonado. Sei que vocês não me entenderão nunca e também já estou me conformando com a loucura, pois nesses últimos anos ela tem sido a minha melhor amiga. Já acostumei a ser chamada de psicopata, doida e maluca. Considero como um elogio.

A pior parte é ficar escutando aqueles choros e latidos malditos na hora de dormir. Com isso ainda não me acostumei. Não sei por que o Nilton não quis provar um pedaço do bolo de chocolate, estava tão delicioso. Montei toda a festa surpresa com carinho e dedicação. Decorei a casa com enfeites, dei banho e arrumei as crianças, preparei o bolo, os doces e os salgados. Fiz tudo isso durante a tarde, enquanto ele trabalhava. Mas em troca fui humilhada, espancada e presa.

Eu estava tão linda naquele dia, toda maquiada, produzida e elegante. Nem parece a minha situação deplorável dos dias atuais. Hoje me encontro acabada, com dentes quebrados, olhos roxos de tanto apanhar, cabelos desgrenhados, sujeira de cadeia impregnada no corpo e aparência abatida. Ontem mesmo, fui estuprada e espancada por dois policiais. Eles falaram que eu mereço coisas bem piores pela atrocidade que cometi. Sofro calada, pois aqui ninguém vê e nem ouve nada. Todas as presidiárias são tratadas como lixo ou até pior que lixo.

Os porcos fardados entraram de noite na minha cela. Chegaram chutando o meu prato de comida e rasgando minhas folhas de anotações, por sorte essa que escrevo não rasgaram. Um deles me deu uma surra de cassetete e quebrou o meu braço, o outro cortou os bicos dos meus seios com um canivete enferrujado. Pense numa dor descomunal, é essa. O meu grito de nada adiantou, pois esses abusos policiais eram rotina na penitenciária feminina Belmiro Fontes. Perdi a conta das vezes que fiquei grávida e tive que fazer abortos improvisados aqui na cadeia, com a ajuda desses mesmos policiais nojentos.

Nessa minha vida de cão, só tenho um desejo para realizar antes de morrer. Quero encontrar o Nilton quando sair daqui, dar um beijo em sua boca e falar que o amo do fundo do meu coração. Apenas isso, entretanto sei que é quase impossível, porque ele não quer me ver nunca mais. No dia do acontecimento, ele me agrediu e falou que desejava muito a minha morte de forma dolorosa. Bom, mas ainda tenho vinte e quatro anos de prisão para cumprir. Talvez, depois desses anos todos, ele mude de ideia. A esperança é a ultima que morre.

Vou descrever o ato execrável que cometi. Mas antes, quero me desculpar e pedir perdão para toda a minha família, amigos e principalmente para o meu amor Nilton. Foi um ato frio e horroroso, porém confesso que não me arrependi e faria tudo novamente. Sempre fui uma mulher extremamente ciumenta e carente de atenção, isso desde a minha infância. Nunca gostei de dividir nada com ninguém e foi justamente por isso que eliminei do meu caminho a concorrência. Esse egoísmo e ciúme doentio estão me consumindo e me destruindo aos poucos.

Todos que me julgam louca, não me conhecem totalmente. Eu não me conheço totalmente e não sei do que ainda sou capaz de fazer. Certamente, depois disso que irei relatar vocês irão me odiar e me comparar ao Demônio. Talvez eu seja mesmo um monstro. Mas sou um monstro que ama o Nilton.

Era uma quinta-feira gelada e chuvosa, aniversário do meu marido. Apesar de estar chateada e incomodada com a falta de atenção e o desrespeito que ele me tratava, mesmo assim decidi fazer uma festa surpresa. Seria com essa festa e principalmente com o bolo que iríamos celebrar uma nova vida de marido e mulher. Iríamos comer um delicioso bolo de chocolate, eliminando totalmente a concorrência de nossas vidas. Mas ele não quis comer nenhum pedaço. Perdeu, pois estava tão saboroso!

Nossos filhos, Mariana de cinco anos e Pedrinho de três, me ajudaram com os brigadeiros e as coxinhas. Depois enfeitamos com bexigas e fitas coloridas a sala. Estávamos todos alegres e ansiosos pela chegada de Nilton. Ainda era por volta de meio-dia quando acabamos de decorar todo o apartamento. Mas faltava o principal de uma festa de aniversário, o bolo.

Morávamos num apartamento pequeno e simples. Sempre fui uma boa dona de casa e deixava tudo arrumadinho e brilhando. Éramos uma família feliz, eu, o Nilton, as crianças e nossa cadelinha Nelly, uma poodle muito sapeca. O problema era comigo, ninguém vai conseguir entender direito o tamanho da brutalidade desse crime chocante. Eu me sinto bastante confusa até hoje. Mas fato é que fiz e ponto final. Eu matei todos que incomodavam o nosso casamento.

Naqueles últimos anos, Nilton não prestava mais atenção em mim. Eu mudava radicalmente o meu estilo, minhas roupas e o meu cabelo. Mas ele nem percebia, estava me ignorando, só queria saber do trabalho e dos filhos. Dava mais atenção até para Nelly, que não desgrudava dele nunca. Cansei disso, estava perdendo espaço até para uma cachorra, um absurdo!

Durante a tarde, uma crise de fúria e desespero me tomou. Acho que não era loucura, parecia mais um espírito perverso, um encosto me dominando. Não conseguia mais me concentrar na preparação do bolo. Aquela cadela do inferno não parava de latir e lamber minhas pernas. Não pensei duas vezes, estava com os nervos à flor da pele. Peguei uma faquinha pequena e furei os dois olhos da bichinha, que ficou gemendo igual uma condenada. O sangue começou a lavar a cara branca de Nelly, ela estava apavorada de medo. Liguei o liquidificador, segurei a maldita pelo pescoço e enfie sua carinha na lâmina afiadíssima que girava em alta velocidade.

No canto da cozinha, as crianças ficaram chorando e tremendo de medo ao presenciar essa terrível cena. Mariana tentou tapar os olhos de Pedrinho e começou a gritar para eu parar de fazer aquilo com a Nelly. Tarde demais, junto com o sangue que jorrava pela pia, havia dentes, focinho retalhado e tufos de pêlo. A cabeça da cachorra ficou desfigurada, com as vísceras e miolos aparecendo. O mais impressionante é que ela ainda estava viva. Então, simplesmente peguei um facão e cortei a cadela em mais de cinquenta pedacinhos. Minha pia parecia um açougue macabro.

Coloquei todas as partes cortadas daquele bicho imundo em cima da mesa branca, que logo ficou vermelha de sangue. Lavei minhas mãos e braços e continuei batendo a massa do bolo. As crianças começaram a correr pelo apartamento num pânico total. Peguei uma bacia grande, despejei a massa, amolei o facão e fui atrás daqueles pirralhos. Puxei a Mariana pelos cabelos, ela gritava e chorava de medo. Pedrinho pulou em cima de mim tentando me morder. Coitado do verme, com um forte golpe de facão arranquei o seu bracinho, que caiu no chão da sala. Pedrinho desmaiou na hora e o sangue escorreu pelo piso de madeira.

Mariana não gritava mais, somente chorava e rezava baixinho enquanto eu estava amarrando-a na cadeira da cozinha. Deixei-a de frente para a mesa com os restos da Nelly e a bacia de massa. Ela me perguntava direto qual era o motivo de eu estar cometendo aquelas barbaridades e implorava para eu parar, dizendo que me amava apesar de tudo. Mas no meu coração só cabia o Nilton, só ele. Estava possuída pelo Satanás enciumado, só pode! Mariana dizia:

- Mamãe, pare com isso! Por favor, nós te amamos. Você tem o meu perdão pela morte da Nelly e por cortar o braço do meu irmão. Vamos acabar com isso. Hoje é aniversário do papai, não era pra acontecer tudo isso. Queria que fosse um dia maravilhoso, de muita paz, alegria e felicidade. Vamos chamar a polícia e a ambulância. Vamos acabar com todo esse terror sem sentido. Eu imploro!

Esperei ela acabar o discurso patético, bati palmas e com um golpe certeiro de facão cortei a sua cabeça, que rolou pelo chão da cozinha. No corpo amarrado na cadeira joguei álcool e depois taquei fogo. Comecei sentir vontade de dar risada de tudo, não respondia mais pelos meus atos. Naquele instante, minha obrigação era preparar o delicioso bolo de carne, miolos e vísceras.

Com violentos golpes de martelo e machadinha, despedacei a cabeça de Mariana e o braço de Pedrinho para misturá-los aos pedaços da cachorra e à massa do bolo. Enquanto preparava a calda de chocolate, o pirralho que estava desmaiado se levanta e começa gritar e chorar incessantemente. Ainda com o martelo e a machadinha, avancei para cima de Pedrinho e o estraçalhei com uma raiva gigantesca. O meu apartamento estava cheio de sangue, as paredes ficaram vermelhas. A escuridão reinava naquele ambiente pesado.

Estava anoitecendo e a hora de Nilton chegar do trabalho se aproximava. O lindo bolo já estava pronto, com uma deliciosa calda de chocolate cobrindo os restos mortais das crianças e da cadela. Tomei um banho quente e relaxante, me masturbei pensando na nova vida que teria com o meu marido e coloquei um vestido preto. Finalmente, a porta se abre e Nilton entra assobiando pela sala como sempre fazia. Fiquei em pé atrás da mesa e comecei bater palmas, cantando Parabéns.

Nilton para de assobiar, senti um cheiro forte de carniça vindo da cozinha e percebe que há manchas de sangue pelo chão e pelas paredes da sala. Nelly que sempre pulava em sua perna não aparece, ele acha tudo muito estranho. Ao entrar na cozinha fica chocado com a cena tenebrosa. Sangue por todo canto, móveis queimados, ferramentas e facas espalhadas pelo chão, pedaços de corpos em cima da mesa e um bolo nojento rodeado de moscas. É a visão de um verdadeiro circo dos horrores.

As velas indicando a idade foram feitas com os dedos do filho. Marisa arrancou e colou os dedos de Pedrinho, formando o número 41. Um ato extremamente bizarro e grotesco. Nilton desesperado esbraveja:

- Mas que porra é essa? Cadê meus filhos? Você está louca, doente? Não me diga que você... Sua psicopata do inferno!

Marisa estava cortando um pedaço do bolo para oferecer ao marido. Ela estava achando tudo uma maravilha, sua mente não conseguia mais diferenciar o mundo real da fantasia e nem o certo do errado. Com muita raiva, Nilton chuta a mesa e começa espancar a esposa desnaturada. Ele enche de pancadas a psicopata e depois resolve chamar a polícia. O cenário é de extremo terror.

Os poucos vizinhos do prédio aparecem para ver o mais terrível e chocante crime da pacata cidade de Miratan do Sul. Todos aplaudem o momento da prisão da mulher louca, que entra no camburão cantando Parabéns e gritando que ama infinitamente o marido.

Nilton se mudou para uma cidade bem longe e iniciou um longo tratamento psicológico para superar o trauma. Dizem que até hoje, aquele apartamento abandonado é habitado pelos espíritos das crianças e da cachorra. Todas as noites, os vizinhos escutam gritos, choros e latidos.


Uma surpresa de aniversário realmente inesquecível!