Surpresa
de Aniversário
“Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida...” Assim como todas as noites, ao longo de cinco anos e meio, Marisa canta Parabéns com os olhos cheios de lágrimas no canto de sua cela.
Sou uma mulher de alma boa, embora muitas pessoas
aqui no xadrez e aí fora digam o contrário. Eu sei que no fundo não sou má, mas
compreendo toda a raiva e repúdio que sentem por mim. Afinal, cometi um ato
horrendo e muito grave. Mas juro que tudo que fiz foi por amor, um amor
incondicional e infinito ao meu marido. Era seu aniversário naquele dia frio e
chuvoso. Nunca vou me esquecer daquele olhar impressionado do Nilton, realmente
ele não acreditou no que estava vendo em sua frente.
Muitas companheiras de cela e até policiais já
tentaram me matar aqui, nesse inferno de concreto e grades. Nos primeiros anos,
eu trabalhava lá no pavilhão quatro junto com as detentas consideradas de alta
periculosidade. Mas depois de algumas brigas, a diretora decidiu me isolar nessa
cela pequena, escura e fedida de onde escrevo este triste relato. Meu único
passatempo é escrever este tipo de carta, na esperança de entregar para alguém
que venha me visitar um dia. Algo que acho muito difícil de acontecer, pois sou
mais odiada que o próprio Demônio.
Tudo que fiz foi por amor, por paixão e por
admiração. Gosto de deixar isso bem claro. Era o meu presente, o melhor que
podia dar naquela data tão especial. Estava dando para o Nilton a liberdade e
uma nova vida de casal apaixonado. Sei que vocês não me entenderão nunca e
também já estou me conformando com a loucura, pois nesses últimos anos ela tem
sido a minha melhor amiga. Já acostumei a ser chamada de psicopata, doida e
maluca. Considero como um elogio.
A pior parte é ficar escutando aqueles choros e
latidos malditos na hora de dormir. Com isso ainda não me acostumei. Não sei
por que o Nilton não quis provar um pedaço do bolo de chocolate, estava tão
delicioso. Montei toda a festa surpresa com carinho e dedicação. Decorei a casa
com enfeites, dei banho e arrumei as crianças, preparei o bolo, os doces e os
salgados. Fiz tudo isso durante a tarde, enquanto ele trabalhava. Mas em troca
fui humilhada, espancada e presa.
Eu estava tão linda naquele dia, toda maquiada,
produzida e elegante. Nem parece a minha situação deplorável dos dias atuais.
Hoje me encontro acabada, com dentes quebrados, olhos roxos de tanto apanhar,
cabelos desgrenhados, sujeira de cadeia impregnada no corpo e aparência
abatida. Ontem mesmo, fui estuprada e espancada por dois policiais. Eles
falaram que eu mereço coisas bem piores pela atrocidade que cometi. Sofro
calada, pois aqui ninguém vê e nem ouve nada. Todas as presidiárias são
tratadas como lixo ou até pior que lixo.
Os porcos fardados entraram de noite na minha
cela. Chegaram chutando o meu prato de comida e rasgando minhas folhas de
anotações, por sorte essa que escrevo não rasgaram. Um deles me deu uma surra
de cassetete e quebrou o meu braço, o outro cortou os bicos dos meus seios com
um canivete enferrujado. Pense numa dor descomunal, é essa. O meu grito de nada
adiantou, pois esses abusos policiais eram rotina na penitenciária feminina
Belmiro Fontes. Perdi a conta das vezes que fiquei grávida e tive que fazer
abortos improvisados aqui na cadeia, com a ajuda desses mesmos policiais
nojentos.
Nessa minha vida de cão, só tenho um desejo para
realizar antes de morrer. Quero encontrar o Nilton quando sair daqui, dar um
beijo em sua boca e falar que o amo do fundo do meu coração. Apenas isso,
entretanto sei que é quase impossível, porque ele não quer me ver nunca mais.
No dia do acontecimento, ele me agrediu e falou que desejava muito a minha
morte de forma dolorosa. Bom, mas ainda tenho vinte e quatro anos de prisão
para cumprir. Talvez, depois desses anos todos, ele mude de ideia. A esperança
é a ultima que morre.
Vou descrever o ato execrável que cometi. Mas
antes, quero me desculpar e pedir perdão para toda a minha família, amigos e
principalmente para o meu amor Nilton. Foi um ato frio e horroroso, porém
confesso que não me arrependi e faria tudo novamente. Sempre fui uma mulher
extremamente ciumenta e carente de atenção, isso desde a minha infância. Nunca
gostei de dividir nada com ninguém e foi justamente por isso que eliminei do
meu caminho a concorrência. Esse egoísmo e ciúme doentio estão me consumindo e
me destruindo aos poucos.
Todos que me julgam louca, não me conhecem
totalmente. Eu não me conheço totalmente e não sei do que ainda sou capaz de
fazer. Certamente, depois disso que irei relatar vocês irão me odiar e me
comparar ao Demônio. Talvez eu seja mesmo um monstro. Mas sou um monstro que
ama o Nilton.
Era uma quinta-feira gelada e chuvosa,
aniversário do meu marido. Apesar de estar chateada e incomodada com a falta de
atenção e o desrespeito que ele me tratava, mesmo assim decidi fazer uma festa
surpresa. Seria com essa festa e principalmente com o bolo que iríamos celebrar
uma nova vida de marido e mulher. Iríamos comer um delicioso bolo de chocolate,
eliminando totalmente a concorrência de nossas vidas. Mas ele não quis comer
nenhum pedaço. Perdeu, pois estava tão saboroso!
Nossos filhos, Mariana de cinco anos e Pedrinho
de três, me ajudaram com os brigadeiros e as coxinhas. Depois enfeitamos com
bexigas e fitas coloridas a sala. Estávamos todos alegres e ansiosos pela
chegada de Nilton. Ainda era por volta de meio-dia quando acabamos de decorar
todo o apartamento. Mas faltava o principal de uma festa de aniversário, o
bolo.
Morávamos num apartamento pequeno e simples.
Sempre fui uma boa dona de casa e deixava tudo arrumadinho e brilhando. Éramos
uma família feliz, eu, o Nilton, as crianças e nossa cadelinha Nelly, uma
poodle muito sapeca. O problema era comigo, ninguém vai conseguir entender
direito o tamanho da brutalidade desse crime chocante. Eu me sinto bastante
confusa até hoje. Mas fato é que fiz e ponto final. Eu matei todos que
incomodavam o nosso casamento.
Naqueles últimos anos, Nilton não prestava mais
atenção em mim. Eu mudava radicalmente o meu estilo, minhas roupas e o meu
cabelo. Mas ele nem percebia, estava me ignorando, só queria saber do trabalho
e dos filhos. Dava mais atenção até para Nelly, que não desgrudava dele nunca.
Cansei disso, estava perdendo espaço até para uma cachorra, um absurdo!
Durante a tarde, uma crise de fúria e desespero
me tomou. Acho que não era loucura, parecia mais um espírito perverso, um
encosto me dominando. Não conseguia mais me concentrar na preparação do bolo.
Aquela cadela do inferno não parava de latir e lamber minhas pernas. Não pensei
duas vezes, estava com os nervos à flor da pele. Peguei uma faquinha pequena e
furei os dois olhos da bichinha, que ficou gemendo igual uma condenada. O
sangue começou a lavar a cara branca de Nelly, ela estava apavorada de medo. Liguei
o liquidificador, segurei a maldita pelo pescoço e enfie sua carinha na lâmina
afiadíssima que girava em alta velocidade.
No canto da cozinha, as crianças ficaram chorando
e tremendo de medo ao presenciar essa terrível cena. Mariana tentou tapar os
olhos de Pedrinho e começou a gritar para eu parar de fazer aquilo com a Nelly.
Tarde demais, junto com o sangue que jorrava pela pia, havia dentes, focinho
retalhado e tufos de pêlo. A cabeça da cachorra ficou desfigurada, com as
vísceras e miolos aparecendo. O mais impressionante é que ela ainda estava viva.
Então, simplesmente peguei um facão e cortei a cadela em mais de cinquenta pedacinhos.
Minha pia parecia um açougue macabro.
Coloquei todas as partes cortadas daquele bicho
imundo em cima da mesa branca, que logo ficou vermelha de sangue. Lavei minhas
mãos e braços e continuei batendo a massa do bolo. As crianças começaram a
correr pelo apartamento num pânico total. Peguei uma bacia grande, despejei a
massa, amolei o facão e fui atrás daqueles pirralhos. Puxei a Mariana pelos
cabelos, ela gritava e chorava de medo. Pedrinho pulou em cima de mim tentando
me morder. Coitado do verme, com um forte golpe de facão arranquei o seu
bracinho, que caiu no chão da sala. Pedrinho desmaiou na hora e o sangue
escorreu pelo piso de madeira.
Mariana não gritava mais, somente chorava e
rezava baixinho enquanto eu estava amarrando-a na cadeira da cozinha. Deixei-a
de frente para a mesa com os restos da Nelly e a bacia de massa. Ela me
perguntava direto qual era o motivo de eu estar cometendo aquelas barbaridades
e implorava para eu parar, dizendo que me amava apesar de tudo. Mas no meu
coração só cabia o Nilton, só ele. Estava possuída pelo Satanás enciumado, só
pode! Mariana dizia:
- Mamãe, pare com isso! Por favor, nós te amamos.
Você tem o meu perdão pela morte da Nelly e por cortar o braço do meu irmão.
Vamos acabar com isso. Hoje é aniversário do papai, não era pra acontecer tudo
isso. Queria que fosse um dia maravilhoso, de muita paz, alegria e felicidade.
Vamos chamar a polícia e a ambulância. Vamos acabar com todo esse terror sem
sentido. Eu imploro!
Esperei ela acabar o discurso patético, bati
palmas e com um golpe certeiro de facão cortei a sua cabeça, que rolou pelo
chão da cozinha. No corpo amarrado na cadeira joguei álcool e depois taquei
fogo. Comecei sentir vontade de dar risada de tudo, não respondia mais pelos
meus atos. Naquele instante, minha obrigação era preparar o delicioso bolo de
carne, miolos e vísceras.
Com violentos golpes de martelo e machadinha, despedacei
a cabeça de Mariana e o braço de Pedrinho para misturá-los aos pedaços da cachorra
e à massa do bolo. Enquanto preparava a calda de chocolate, o pirralho que
estava desmaiado se levanta e começa gritar e chorar incessantemente. Ainda com
o martelo e a machadinha, avancei para cima de Pedrinho e o estraçalhei com uma
raiva gigantesca. O meu apartamento estava cheio de sangue, as paredes ficaram
vermelhas. A escuridão reinava naquele ambiente pesado.
Estava anoitecendo e a hora de Nilton chegar do
trabalho se aproximava. O lindo bolo já estava pronto, com uma deliciosa calda
de chocolate cobrindo os restos mortais das crianças e da cadela. Tomei um
banho quente e relaxante, me masturbei pensando na nova vida que teria com o
meu marido e coloquei um vestido preto. Finalmente, a porta se abre e Nilton entra
assobiando pela sala como sempre fazia. Fiquei em pé atrás da mesa e comecei
bater palmas, cantando Parabéns.
Nilton para de assobiar, senti um cheiro forte de
carniça vindo da cozinha e percebe que há manchas de sangue pelo chão e pelas
paredes da sala. Nelly que sempre pulava em sua perna não aparece, ele acha
tudo muito estranho. Ao entrar na cozinha fica chocado com a cena tenebrosa. Sangue
por todo canto, móveis queimados, ferramentas e facas espalhadas pelo chão,
pedaços de corpos em cima da mesa e um bolo nojento rodeado de moscas. É a
visão de um verdadeiro circo dos horrores.
As velas indicando a idade foram feitas com os
dedos do filho. Marisa arrancou e colou os dedos de Pedrinho, formando o número
41. Um ato extremamente bizarro e grotesco. Nilton desesperado esbraveja:
- Mas que porra é essa? Cadê meus filhos? Você
está louca, doente? Não me diga que você... Sua psicopata do inferno!
Marisa estava cortando um pedaço do bolo para
oferecer ao marido. Ela estava achando tudo uma maravilha, sua mente não
conseguia mais diferenciar o mundo real da fantasia e nem o certo do errado. Com
muita raiva, Nilton chuta a mesa e começa espancar a esposa desnaturada. Ele
enche de pancadas a psicopata e depois resolve chamar a polícia. O cenário é de
extremo terror.
Os poucos vizinhos do prédio aparecem para ver o
mais terrível e chocante crime da pacata cidade de Miratan do Sul. Todos aplaudem
o momento da prisão da mulher louca, que entra no camburão cantando Parabéns e
gritando que ama infinitamente o marido.
Nilton se mudou para uma cidade bem longe e
iniciou um longo tratamento psicológico para superar o trauma. Dizem que até
hoje, aquele apartamento abandonado é habitado pelos espíritos das crianças e
da cachorra. Todas as noites, os vizinhos escutam gritos, choros e latidos.
Uma surpresa de aniversário realmente inesquecível!
G-zuis!
ResponderExcluirÔ LOCO!
ResponderExcluirVOCÊ É MAL !
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